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19 de ago. de 2012

Butão e os orgânicos


Imagine um país que ainda preserva suas florestas e tem 80% do seu território ocupado por elas. E também um país onde o principal indicador de eficiência das medidas governamentais seja a felicidade da população. Além disso, uma nação cujo povo tenta a todo custo, apesar de encravado entre os gigantes China e Índia, preservar suas tradições, intrinsecamente ligadas ao budismo. De quebra, imagine um país que adora esculpir e desenhar pênis nas fachadas das edificações para “espantar demônios”.
Este país existe e não é Shangri-lá. Estamos falando do Butão, cujo governo, além de surpreender o mundo há alguns anos com o índice FIB – Felicidade Interna Bruta –, em contraposição ao PIB – Produto Interno Bruto –, reforçou, recentemente, sua intenção em contribuir para a sustentabilidade do planeta.
O primeiro-ministro, Jigmi Y. Thinley, anunciou recentemente a Política Nacional Orgânica, que quer tornar, até 2020, o Butão o primeiro país do mundo com agricultura 100% orgânica. “Os produtores butaneses estão convencidos de que o cultivo orgânico ajuda a manter o fluxo de bênçãos da natureza”, disse Thinley, em seu discurso.
Um grande e correto passo já foi dado, ao se instituir o Ministério da Agricultura e Florestas. Ou seja, institucionalmente, cultivos e meio ambiente já caminham juntos por ali. Bem diferente do Brasil, onde temos o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Ministério do Meio Ambiente para cuidar, entre outros assuntos, de questões agrícolas e ambientais.
Direto do Butão, o guia turístico Nima Sherpa, um amigo que fiz quando viajei para lá, em novembro do ano passado, informa, com todas as letras: o governo, liderado pelo rei Jigme Khesar Wangchukrei, decidiu inclusive eliminar, com o tempo, as importações de agrotóxicos e fertilizantes químicos da Índia.
Decisão corajosa para um reinado de apenas 700 mil habitantes – ante 1,3 bilhão da China e 1,2 bilhão da Índia –, cuja base econômica é agricultura de subsistência; turismo e principalmente a venda de energia hidrelétrica para os indianos.
Para quem conhece o reino budista, decisões do gênero não surpreendem. Há alguns anos, por exemplo, o país baniu a compra, venda, fabricação e importação de cigarros. E baniu, em Thimpu, a capital, os semáforos, que não foram bem aceitos pela população, que reivindicou a volta do velho e bom guarda de trânsito. Segundo alguns, o oficial que monitora o vai e vem dos carros no principal cruzamento da capital é o personagem mais fotografado pelos turistas que visitam o país.
Embora seja um país pioneiro em medidas que vão contra a corrente mundial, e seja admirado por isso, o Butão enfrenta problemas internos.
A Felicidade Interna Bruta (FIB ou Gross National Happiness), apesar de ser uma genial sacada de marketing do pai do rei atual, que se difundiu pelo mundo – o próprio Brasil já discute a adoção de índices alternativos ao PIB –, enfrenta críticas internas, pois ainda persistem por ali carências sociais, educacionais e econômicas. E, falar do banimento dos agrotóxicos indianos é meio contraditório quando a invasão massiva da televisão do país vizinho – com programação que é um lixo – é fato consumado.
De todo modo, vale o pioneirismo, mais uma vez, do pequeno reinado de regime parlamentarista – instituído pelo rei anterior, pai do rei atual. Assim como muitos países têm se inspirado no Butão para adotar o FIB, poderiam muito bem refletir a respeito da conversão de seus cultivos para métodos mais sustentáveis.

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