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31 de out. de 2012

Possibilidades e alternativas do desenvolvimento rural sustentável

Possibilidades e alternativas do desenvolvimento rural sustentável  

Texto base da palestra proferida pelo primeiro autor durante o “I Congresso Internacional sobre Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural Sustentável”, realizado no Auditório do Centro de Ciências Rurais, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, 02 a 03.12.2002. Versão ligeiramente modificada deste texto foi publicada por: Costabeber, J. A.; Caporal, F. R. “Possibilidades e alternativas do desenvolvimento rural sustentável”. In: Vela, Hugo. (Org.): 
Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural Sustentável no Mercosul. Santa Maria: Editora da UFSM/Pallotti, 2003. p.157-194. 


Costabeber, José Antônio - Engenheiro Agrônomo, Mestre em Extensão Rural (CPGER/UFSM), Doutor pelo Programa de “Agroecología, Campesinado e Historia” – ISEC/ETSIAM, Universidad de Córdoba (España), Supervisor Regional da EMATER/RS-ASCAR. E-mail: ostabeber@emater.tche.br 

Caporal, Francisco Roberto - Engenheiro Agrônomo, Mestre em Extensão Rural (CPGER/UFSM), Doutor pelo Programa de  “Agroecología, Campesinado e Historia” – ISEC/ETSIAM, Universidad de Córdoba (España), Diretor Técnico da EMATER/RS-ASCAR. E-mail: caporal@emater.tche.br 


1. Introdução 

Nesse texto pretende-se fazer uma breve abordagem das possibilidade e alternativas do Desenvolvimento Rural Sustentável (DRS) sob a perspectiva dos processos e estratégias relacionadas à Agricultura Familiar, tendo-se como pano de fundo os compromissos e desafios assumidos pela Extensão Rural do serviço público no Rio Grande do Sul, Brasil. Dado que atualmente não existe consenso a respeito do conceito de Desenvolvimento ou de Sustentabilidade, o DRS é aqui analisado a partir de orientações derivadas da Agroecologia. Nessa perspectiva, o processo de desenvolvimento rural, para ser sustentável, precisa encerrar não apenas uma mudança no tamanho (aspecto físico, quantitativo), mas especialmente uma expansão das qualidades e oportunidades (aspecto qualitativo), como condição necessária para o alcance de ganhos sociais, econômicos, ambientais, políticos e culturais, numa ótica que não pode abrir mão da solidariedade intra e intergeracional (ética da solidariedade). Assim, as possibilidades e alternativas são exploradas partindo-se de uma opção clara pela perspectiva ecossocial do DRS e pela transição agroecológica na agricultura A Agroecologia é assumida como uma ciência que proporciona princípios úteis
para guiar as mudanças conceituais, metodológicas, tecnológicas e organizacionais mais ajustadas e compatíveis para a obtenção de patamares crescentes de sustentabilidade agrícola e rural. A agricultura familiar se apresenta como um segmento que tem sérias dificuldades para sua reprodução social, ao mesmo tempo em que representa a forma de organização mais adequada para potencializar o desenvolvimento agrícola e rural. Nesse contexto, se exemplifica esse potencial a partir da indicação de algumas estratégias que vêm sendo adotadas pela Extensão Rural do serviço público no Rio Grande do Sul, nos últimos 4 anos. Conclui-se pela necessidade imediata de novas descobertas científicas e produção tecnológica que considere a diversidade biológica e sociocultural presente no rural, o que coloca nas mãos das Universidades, Escolas Agrárias e Institutos de Pesquisa uma importante parcela da responsabilidade que tem o Estado de promover processos de Desenvolvimento Rural compatíveis com o imperativo ambiental e com as expectativas sócio-econômicas e culturais daqueles segmentos da população que até agora ficaram
marginalizados das políticas públicas. Porém, essa produção de conhecimentos e tecnologias, para ser útil e não ser inerte, precisa estar associada organicamente, no seu planejamento, execução e avaliação, ao público a quem se dirige, pois já se assistem novos riscos derivados do processo de ecologização em curso.

2.  Possibilidades do desenvolvimento rural sustentável Possibilidades do desenvolvimento rural sustentável 

Nas últimas cinco décadas fomos levados, erroneamente, a tomar o desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico, permanente e ilimitado. Atualmente, dadas as enormes dificuldades para a aceitação de um conceito inequívoco de Desenvolvimento, e considerando ainda a deficiência do conceito oficial de Desenvolvimento Sustentável, faz-se necessário buscar uma maior compreensão da sustentabilidade através da consideração e  análise de suas dimensões básicas, as quais poderão servir de guia para a identificação e o monitoramento das possibilidades do DRS no contexto de atuação da Extensão Rural do  serviço público1. Vale ainda ressaltar que as dificuldades operativas e conceituais nesse campo dão margem para a identificação de pelo menos duas distintas correntes do Desenvolvimento Sustentável (a ecotecnocrática e a ecossocial), as quais manifestam suas particularidades também nas vias do processo de ecologização que vêm ocorrendo na Agricultura (a via da intensificação verde e a via da transição agroecológica).

2.1 Desenvolvimento rural sustentável 


A perspectiva desenvolvimentista, notoriamente hegemônica no período pós Segunda Guerra, orientava para o crescimento econômico, permanente e baseado no consumo abusivo de recursos naturais não renováveis, como condição básica e indispensável para que as sociedades tidas como subdesenvolvidas superassem o “atraso” e alcançassem o “progresso”, condição já presente nas nações e sociedades consideradas como desenvolvidas. Os problemas gerados nesse processo e as insuficiências desse enfoque já são bastante conhecidos e não necessitam ser aqui reproduzidos, bastando lembrar que o reconhecimento da crescente insustentabilidade do modelo convencional de desenvolvimento resultou de uma série de eventos, obras e alertas que, ao longo dos últimos 40 anos, vem despertando a comunidade científica e a opinião pública sobre a necessidade de novos enfoques, mais respeitosos com o meio ambiente, socialmente desejáveis, politicamente aceitáveis e viáveis sob o ponto de vista econômico. 


Um conceito oficial de Desenvolvimento Sustentável surge, nesse contexto, a partir do Relatório Brundtland, em 1987 (CMMAD, 1992), onde o crescimento econômico passa a ser contrastado com a noção de sustentabilidade e se difunde a idéia de que, para ser sustentável, o desenvolvimento necessita compatibilizar crescimento econômico, distribuição da riqueza e preservação ambiental, tarefa considerada por muitos como inviável ou mesmo impossível. Conforme essa orientação, o “desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz as necessidades da geração presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras para satisfazer suas próprias necessidades”. Segundo o mesmo relatório, esta definição encerra em si outros dois conceitos fundamentais: i) o conceito de necessidades, em particular as necessidades essenciais dos pobres, as quais se deveria outorgar prioridade preponderante; e ii) a idéia de limitações impostas pelo estado da tecnologia e a organização social entre a capacidade do meio ambiente para satisfazer as necessidades presentes e futuras. O desenvolvimento sustentável implica, ademais, uma transformação progressiva da economia e da sociedade, aumentando o potencial produtivo e assegurando a igualdade de oportunidades para todos. A grande dificuldade que esse conceito nos traz reside na palavra necessidades, que, por ser uma construção social, varia segundo as pessoas e a sociedade em que vivem. Como se verá mais adiante, essa dificuldade conceitual resulta na conformação de distintas correntes do Desenvolvimento Sustentável, com repercussões nas orientações que definem as possibilidades e concepções de DRS e de Agricultura Sustentável.

Nesse artigo partimos do entendimento de que o desenvolvimento, em sua formulação mais ampla, significa a realização de potencialidades sociais, culturais e econômicas de uma sociedade, em perfeita sintonia com o seu entorno ambiental e com seus valores políticos e éticos. Ademais, defendemos o DRS como um processo gradual de mudança que encerra em sua construção e trajetória a consolidação de processos educativos e participativos que envolvem as populações rurais, conformando uma estratégia impulsionadora de dinâmicas sócio-econômicas mais ajustadas ao imperativo ambiental, aos objetivos de eqüidade e aos pressupostos de solidariedade intra e intergeracional. Porém, para que esses ideais possam ser monitorados, independentemente da adoção de um conceito preciso de DRS, faz-se preciso avançar na compreensão dos elementos ou estratégias que permitam a obtenção contextos de sustentabilidade, tema que nos leva a explorar as multidimensões da sustentabilidade.

2.2 Multidimensões da sustentabilidade

Sob o enfoque agroecológico, a sustentabilidade deve ser estudada e proposta como sendo uma busca permanente de novos pontos de equilíbrio entre diferentes dimensões que podem ser conflitivas entre si em realidades concretas (Costabeber e Moyano, 2000). A sustentabilidade em agroecossistemas é algo relativo que pode ser medido, somente exposto. Sua prova estará sempre no futuro (Gliessman, 2000). Por essa razão, a construção do DRS deve assentar-se na busca de contextos de maior sustentabilidade, alicerçados em algumas dimensões básicas. No marco desse artigo, entendemos que as estratégias orientadas ao desenvolvimento rural sustentáveis devem ter em conta seis dimensões relacionadas entre si: ecológica, econômica, social (primeiro nível), cultural, política (segundo nível) e ética (terceiro nível). Como aproximação ao que compreende cada uma destas dimensões, destacamos alguns aspectos que poderiam ser úteis na definição de indicadores para posterior monitoramento dos contextos de sustentabilidade alcançados num dado momento.

a) Dimensão ecológica 

A manutenção e recuperação da base de recursos naturais –sobre a qual se sustentam e estruturam a vida e a reprodução das comunidades humanas e demais seres vivos– constitui um aspecto central para atingir-se patamares crescentes de sustentabilidade em qualquer agroecossistema. Portanto, "cuidar da casa” é uma premissa essencial para ações que se queiram sustentáveis, o que exige, por exemplo, não apenas a preservação e/ou melhoria das condições químicas, físicas e biológicas do solo (aspecto da maior relevância no enfoque agroecológico), mas também a manutenção e/ou melhoria da biodiversidade, das reservas e mananciais hídricos, assim como dos recursos naturais em geral. Não importa quais sejam as estratégias para a intervenção técnica e planejamento do uso dos recursos –uma microbacia hidrográfica, por exemplo–, mas importa ter em mente a necessidade de uma abordagem holística e um enfoque sistêmico, dando um tratamento integral a todos os elementos do agroecossistema que venham a ser impactados pela ação humana. Ademais, é necessário que as estratégias contemplem a reutilização de materiais e energia dentro do próprio agroecossistema, assim como a eliminação do uso de insumos tóxicos ou cujos efeitos sobre o meio ambiente são incertos ou desconhecidos (por exemplo, Organismos Geneticamente Modificados). Em suma, o conceito de sustentabilidade inclui, em sua hierarquia, a noção de preservação e conservação da base dos recursos naturais como condição essencial para a continuidade dos processos de reprodução sócio-econômica e cultural da sociedade, em geral, e de produção agropecuária, em particular,
numa perspectiva que considere tanto as atuais como as futuras gerações.

b) Dimensão social 

Ao lado da dimensão ecológica, a dimensão social representa precisamente um dos pilares básicos da sustentabilidade, uma vez que a preservação ambiental e a conservação dos recursos naturais somente adquirem significado e relevância quando o produto gerado nos agroecossistemas, em bases renováveis, também possa ser eqüitativamente apropriado e usufruído pelos diversos segmentos da sociedade. Ou seja, “a eqüidade é a propriedade dos agroecossistemas que indica quão equânime é a distribuição da produção [e também dos custos] entre os beneficiários humanos. De uma forma mais ampla (...), implica uma menor desigualdade na distribuição de ativos, capacidades e oportunidades dos mais desfavorecidos”. Sob o ponto de vista temporal, esta noção de eqüidade ainda se relaciona com a perspectiva intrageracional (disponibilidade de sustento mais seguro para a presente geração) e com a perspectiva intergeracional (não se pode comprometer hoje o sustento seguro das gerações futuras) (Simón Fernández e Dominguez Garcia, 2001). A dimensão social inclui, também, a busca contínua de melhores níveis de qualidade de vida mediante a produção e o consumo de alimentos com qualidade biológica superior, o que comporta, por exemplo, a eliminação do uso de insumos tóxicos no processo produtivo agrícola mediante novas combinações tecnológicas, ou ainda através de opções sociais de natureza ética ou moral. Nesse caso, é a própria percepção de riscos e/ou efeitos maléficos da utilização de certas tecnologias sobre as condições sociais das famílias de agricultores que determina ou origina novas formas de relacionamento da sociedade com o meio ambiente, um modo de estabelecer uma conexão entre a dimensão social e a ecológica, sem prejuízo da dimensão econômica (um novo modo de “cuidar da casa” ou de “administrar os recursos da casa”).

c) Dimensão econômica 

Estudos têm demonstrado que os resultados econômicos obtidos pelos agricultores são elementos-chave para fortalecer estratégias de DRS. Não obstante, como está também demonstrado, não se trata somente de buscar aumentos de produção e produtividade agropecuária a qualquer custo, pois eles podem ocasionar reduções de renda e dependências crescentes em relação a fatores externos, além de danos ambientais que
podem resultar em perdas econômicas no curto ou médio prazos. A sustentabilidade de agroecossistemas também supõe a necessidade de obter-se balanços agroenergéticos positivos, sendo necessário compatibilizar a relação entre produção agropecuária e consumo de energias não renováveis. Aliás, como bem nos ensina a Economia Ecológica, a insustentabilidade de agroecossistemas pode se expressar pela obtenção de resultados econômicos favoráveis às custas da depredação da base de recursos naturais que são fundamentais para as gerações futuras, o que põe em evidência a estreita relação entre a dimensão econômica e a dimensão ecológica. Por outro lado, a lógica presente na maioria dos segmentos da agricultura familiar nem sempre se manifesta apenas através da obtenção de lucro, mas também por outros aspectos que interferem em sua maior ou menor capacidade de reprodução social. Por isso, há que se ter em mente, por exemplo, a importância da produção de subsistência, assim como a produção de bens de consumo em geral, que não costumam aparecer nas medições monetárias convencionais, mas que são importantes no processo de reprodução social e nos graus de satisfação dos membros da família. Igualmente, a soberania e a segurança alimentar de uma região se expressam também na adoção de estratégias baseadas em circuitos curtos de mercadorias e no abastecimento regional e microrregional, não sendo possível, portanto, desconectar a dimensão econômica da dimensão social. dimensão econômica da dimensão social.

d) Dimensão cultural 

Na dinâmica dos processos de manejo de agroecossistemas – dentro da perspectiva da Agroecologia– deve-se considerar a necessidade de que as intervenções sejam respeitosas para com a cultura local. Os saberes, os conhecimentos e os valores locais das populações rurais precisam ser analisados, compreendidos e utilizados como ponto de partida nos processos de desenvolvimento rural que, por sua vez, devem espelhar a “identidade cultural” das pessoas que vivem e trabalham em um dado agroecossistema. A agricultura, nesse sentido, precisa ser entendida como atividade econômica e sociocultural – uma prática social– realizada por sujeitos que se caracterizam por uma forma particular de relacionamento com o meio ambiente. Esta faceta da dimensão cultural não pode e não deve obscurecer a necessidade de um processo de problematização sobre os elementos formadores da cultura de um determinado grupo social. Eventualmente, estes elementos podem ser relativizados em sua importância, considerando-se as repercussões negativas que possam ter nas formas de manejo dos agroecossistemas, descartando-se aqueles procedimentos ou técnicas que não se mostrem adequados nos processos de construção de novas estratégias na relação homem-natureza. Ou seja, práticas culturalmente determinadas, mas que sejam agressivas ao meio ambiente e prejudiciais ao fortalecimento das relações sociais e às estratégias de ação social coletiva, não devem ser estimuladas.
De qualquer modo, historicamente a Agricultura foi produto de uma relação estruturalmente condicionada envolvendo o sistema social (a sociedade, os agricultores) e o sistema ecológico (o meio ambiente, os recursos biofísicos), o que, em sua essência, traduz-se numa importante base epistemológica da Agroecologia, tal como nos ensina Norgaard(1989). Mais do que nunca, esse reconhecimento da importância do saber local e dos processos de geração do conhecimento ambiental e socialmente útil passa a ser crescentemente valorizado em contraponto à idéia ainda dominante, mas em processo de obsolescência, de que a agricultura poderia ser homogeneizada com independência das especificidades biofísicas e culturais de cada agroecossistema.

e) Dimensão política 

A dimensão política da sustentabilidade tem a ver com os processos participativos e democráticos que se desenvolvem no contexto da produção agrícola e do desenvolvimento rural, assim como com as redes de organização social e de representações dos diversos segmentos da população rural. Nesse contexto, o DRS deve ser concebido a partir das concepções culturais e políticas próprias dos grupos sociais, considerando-se suas relações de diálogo e de integração com a sociedade maior, através de representação em espaços comunitários ou em conselhos políticos e profissionais, numa lógica que considera aquelas dimensões de primeiro nível como integradoras das formas de exploração e manejo sustentável dos agroecossistemas. Como diz Altieri, sob a perspectiva da produção, a sustentabilidade somente poderá ser alcançada “no contexto de uma organização social que proteja a integridade dos recursos naturais e estimule a interação harmônica entre os seres humanos, o agroecossistema e o ambiente”, entrando a Agroecologia como suporte e com “as ferramentas metodológicas necessárias para que a participação da comunidade venha a se tornar a força geradora dos objetivos e atividades dos projetos de desenvolvimento [rural sustentável]”. Citando a Chambers (1983), lembra que, assim, espera-se que os agricultores e camponeses se transformem nos “arquitetos e atores de seu próprio desenvolvimento” (Altieri, 2001: 21), condição indispensável para o avanço do empoderamento dos agricultores e comunidades rurais como protagonistas e decisores dos rumos dos processos de mudança social. Nesse sentido, deve-se privilegiar o estabelecimento de plataformas de negociação nas quais os atores locais possam expressar seus interesses e necessidades em pé de igualdade com outros atores envolvidos. A dimensão política diz respeito, pois, aos métodos e estratégias participativas capazes de assegurar o resgate da auto-estima e o pleno exercício da cidadania. pleno exercício da cidadania.

f) Dimensão ética 

A dimensão ética da sustentabilidade se relaciona diretamente com a solidariedade intra e intergeracional e com novas responsabilidades dos indivíduos com respeito à  preservação do meio ambiente. Todavia, como sabemos, a crise em que estamos imersos é uma crise socioambiental, até porque a história da natureza não é apenas ecológica, mas também social. Portanto, qualquer novo contrato ecológico deverá vir acompanhado do respectivo contrato social. Tais contratos, que estabelecerão a dimensão ética da sustentabilidade, terão que tomar como ponto de partida uma profunda crítica sobre as bases epistemológicas que deram sustentação ao surgimento desta crise. Neste sentido, precisamos ter clareza de que o que está verdadeiramente em risco não é propriamente a natureza, mas a vida sobre o Planeta, devido à forma como nos utilizamos e destruímos os recursos naturais. Sendo assim, a dimensão ética a que nos referimos exige pensar e fazer viável a adoção de novos valores, que não necessariamente serão homogêneos. Para alguns dos povos do Norte rico e opulento, por exemplo, a ética da sustentabilidade tem a ver com a necessidade de redução do sobre-consumo, da hiper-poluição, da abundante produção de lixo e de todo o tipo de contaminação ambiental gerado pelo seu estilo de vida e de relação com o meio ambiente. Para nós, do Sul, provavelmente a ênfase deva ser em questões como o resgate da cidadania e da dignidade humana, a luta contra a miséria e a fome ou a eliminação da pobreza e suas conseqüências sobre o meio ambiente. Ademais, como lembra Leff (2001: 93), “A ética ambiental vincula a conservação da diversidade biológica do planeta com respeito à heterogeneidade étnica e cultural da espécie humana. Ambos os princípios se conjugam no objetivo de preservar os recursos naturais e envolver as comunidades na gestão de seu ambiente”. Assim, a dimensão ética da sustentabilidade requer o fortalecimento de princípios e valores que expressem a solidariedade sincrônica (entre as gerações atuais) e a solidariedade diacrônica (entre as atuais e futuras gerações). 
Trata-se, então, de uma ética da solidariedade (Riechmann, 1997) que restabelece o sentido de fraternidade nas relações entre os homens. Na esteira dessa dimensão, a busca de segurança alimentar inclui a necessidade de alimentos limpos e saudáveis para todos e, portanto, minimiza a importância de certas estratégias de produção orgânica dirigida pelo mercado e acessível apenas a uma pequena parcela da população. Igualmente, esta dimensão deve tratar do direito ao acesso equânime aos recursos naturais, à terra para o trabalho e a todos os bens necessários para uma vida digna. Em suma, quando se aborda o tema da sustentabilidade, a dimensão ética se apresenta numa elevada hierarquia, uma vez que de sua consideração podemos afetar os objetivos e resultados esperados nas dimensões de primeiro e segundo nível.

As seis dimensões básicas da sustentabilidade, sumariamente descritas acima, podem ser úteis também para a identificação dos passos que venham a nos auxiliar no processo de construção de estilos de agricultura sustentável, sob a consideração do enfoque agroecológico.

2.3 Construindo estilos de agricultura sustentável 


Apesar do reconhecimento de que a sustentabilidade, enquanto objetivo a alcançar no curto, médio e longo prazos, encerra grande complexidade conceitual e analítica (o que pode ser observado pela perspectiva multidimensional antes apresentada), não existe consenso sobre um conceito operacional de sustentabilidade e tampouco há acordo entre distintas correntes que vêm abordando essa temática desde diferentes campos do conhecimento. Tomando como ponto de partida o conceito de desenvolvimento sustentável proposto pelo Relatório Brundtland, cuja debilidade, como dissemos, já aparece na falta de precisão do termo necessidades, podemos identificar, atualmente, pelo menos duas grandes correntes do desenvolvimento que apresentam enfoques pouco reconciliáveis entre si.

A corrente ecotecnocrática do desenvolvimento sustentável parte da premissa de que a humanidade tem ao seu dispor recursos naturais em quantidades quase infinitas, o que permitiria o crescimento (da produção e do consumo) continuado através do tempo. Nessa perspectiva, predomina um otimismo tecnológico relacionado às nossas capacidades de proceder um processo de “substituição sem fim” dos recursos naturais não renováveis, evitando as possibilidades de colapso: se considera a natureza como um subsistema da economia. Por outro lado, a corrente ecossocial assume a cautela e recomenda a prudência tecnológica, dada a aceitação de que os recursos naturais necessários para a manutenção da vida sobre o planeta são limitados e finitos. Mesmo com a aplicação de novas tecnologias, a substituição desses recursos pode ser alcançada apenas de forma relativa e nunca absoluta. Diferentemente da primeira, essa corrente assume que é a economia um subsistema da natureza, e não o contrário. Na realidade, os pressupostos básicos ligados a
estas correntes se transferem para o caso da agricultura e do rural quando a temática é a sustentabilidade e o desenvolvimento. Como já temos ressaltado em outros trabalhos (Caporal, 1998; Costabeber, 1998; Caporal e Costabeber, 2000a), o processo de ecologização que vem se manifestando na agricultura, em diversas regiões do mundo, não necessariamente seguirá uma trajetória linear, podendo seguir distintas vias, mais próximas ou alinhadas com a corrente ecotecnocrática ou com a corrente ecossocial.
Nessa perspectiva, predomina um otimismo tecnológico relacionado às nossas capacidades de proceder um processo de “substituição sem fim” dos recursos naturais não renováveis, evitando as possibilidades de colapso: se considera a natureza como um subsistema da economia. Por outro lado, a corrente ecossocial assume a cautela e recomenda a prudência tecnológica, dada a aceitação de que os recursos naturais necessários para a manutenção da vida sobre o planeta são limitados e finitos. Mesmo com a aplicação de novas tecnologias, a substituição desses recursos pode ser alcançada apenas de forma relativa e nunca absoluta. Diferentemente da primeira, essa corrente assume que é a economia um subsistema da natureza, e não o contrário. Na realidade, os pressupostos básicos ligados a estas correntes se transferem para o caso da agricultura e do rural quando a temática é a sustentabilidade e o desenvolvimento. Como já temos ressaltado em outros trabalhos (Caporal, 1998; Costabeber, 1998; Caporal e Costabeber, 2000a), o processo de ecologização que vem se manifestando na agricultura, em diversas regiões do mundo, não necessariamente seguirá uma trajetória linear, podendo seguir distintas vias, mais próximas ou alinhadas com a corrente ecotecnocrática ou com a corrente ecossocial.

De modo simplificado podemos dizer que na perspectiva ecotecnocrática as mudanças na agricultura estariam representadas pelo estabelecimento de formas de intensificação verde que, embora manifestando um certo tipo de ecologização, continuariam próximas ao padrão tecnológico dominante. Nesse caso, o modelo convencional de produção agrícola estaria se adaptando à incorporação de uma nova geração tecnológica da Revolução Verde (ou uma Revolução Duplamente Verde, como nos alertam Conway & Barbier, 1990; Conway, 1997), priorizando o uso de insumos de origem industrial, intensivos em capital e energia; a valorização do conhecimento científico como a única forma de conhecimento válido; a especialização da produção agrícola; o aumento da economia de escala; e os ganhos de produtividade física às custas de uma crescente artificialização dos agroecossistemas, colocando em cheque a produtividade agrícola no médio e longo prazos. 
Embora se admita a integração equilibrada dos insumos locais com os insumos industriais, o processo de ecologização, via intensificação verde, seguiria uma lógica que obedece essencialmente a estímulos de mercado, ampliando-se os riscos de aumentar as desigualdades sociais e a degradação de recursos naturais não renováveis.
Para os que abraçam a perspectiva ecossocial, as mudanças na agricultura deverão se materializar no estabelecimento de formas alternativas de produção que, partindo das bases conceituais e princípios científicos da Agroecologia (Altieri, 1989; 1995; 1998), buscam uma maior aproximação e integração entre conhecimentos ecológicos, sociais, econômicos e culturais, levando em conta distintas dimensões que dão sentido a um conceito mais amplo de sustentabilidade e afastando-se gradualmente daquelas bases científicas e tecnológicas que até agora têm apoiado o modelo agroquímico convencional.
Entre suas características principais, estão as estratégias de produção agrária baseadas em conceitos ecológicos; o conhecimento científico integrado ao conhecimento local, como forma de gerar novos e mais qualificados saberes socioambientais; a participação da população rural na determinação das formas de manejo dos agroecossistemas; a maior valorização da biodiversidade e o respeito à diversidade cultural. Nessa perspectiva o processo de ecologização não se limitaria a obedecer apenas estímulos de mercado, mas incorporaria valores ambientais e a orientação para a construção de uma nova ética de relação do homem com a natureza, conformando assim o processo de transição agroecológica.

Estamos nos referindo a um processo gradual de mudança, através do tempo, nas formas de  manejo dos agroecossistemas, tendo-se como meta a passagem de um modelo agroquímico de  produção (que pode ser mais ou menos intensivo no uso de inputs industriais) a estilos de agricultura. Como vimos, as possibilidades do DRS, até aqui analisadas, vinculam o processo de transição aos preceitos da corrente ecossocial e sugerem a abordagem da sustentabilidade sob uma perspectiva multidimensional, ao mesmo tempo em que apontam para a necessidade de adoção da Agroecologia como base científica desse processo. Ademais, como tentaremos ressaltar, a Agricultura Familiar adquire centralidade nesse enfoque e pode ser potencializada mediante estratégias adequadas para impulsionar processos de DRS. Possibilidades do DRS, até aqui analisadas, vinculam o processo de transição aos preceitos da corrente ecossocial e sugerem a abordagem da sustentabilidade sob uma perspectiva multidimensional, ao mesmo tempo em que apontam para a necessidade de adoção da Agroecologia como base científica desse processo. Ademais, como tentaremos ressaltar, a Agricultura Familiar adquire centralidade nesse enfoque e pode ser potencializada mediante estratégias adequadas para impulsionar processos de DRS.

3 Alternativas ao desenvolvimento rural sustentável

As alternativas do DRS são aqui tratadas a partir de uma breve definição do enfoque agroecológico (destacando-se seus princípios e conceitos) e uma rápida caracterização da Agricultura Familiar (destacando-se a atual diferenciação social), para em seguida apontar-se algumas estratégias de apoio que vêm se mostrando viáveis em diversas experiências de DRS em andamento no Rio Grande do Sul.

Veja o texto completo no enderêço:

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